PROPOSTA
O(a) membro(a) do Ministério Público com atribuição para o registro civil deverá atuar para que a averiguação oficiosa de paternidade instaurada com base na Lei 8.560/1992 ou a averiguação escolar de paternidade de que trata a Lei RJ 6.381/2013 somente tenha prosseguimento extrajudicial ou judicialmente no caso de consentimento expresso pela pessoa responsável pela criança ou adolescente no Cartório do Registro Civil de Nascimento ou junto à Direção da Unidade Escolar Pública ou Privada. No caso de adolescente com idade igual ou superior a 16 anos, é imprescindível a manifestação expressa de sua vontade, assistido pela responsável legal. Já para adolescentes entre 12 e 16 anos, recomenda-se a aplicação analógica do art. 28, §2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sendo necessário o consentimento colhido em audiência, com a devida oitiva do adolescente.
JUSTIFICATIVA
Fundamentação
A Lei n.º 8.560/92 foi um passo importante para o reconhecimento da filiação fora do casamento. A legitimidade do Ministério Público para propor a ação de investigação de paternidade foi um avanço na proteção do direito à filiação. No entanto, a averiguação de paternidade pode ser interpretada de forma reducionista e patriarcal, focada apenas na busca pela verdade biológica e na figura paterna, desconsiderando o poder familiar da mãe que registrou a criança.
A Lei 8.560/1992 surgiu para garantir o direito à paternidade e a dignidade da pessoa humana, mas sua interpretação deve estar alinhada à evolução do conceito de família. A Constituição da República, em seu Art. 226, §4º, garante proteção especial à família monoparental, o que não permite que o Estado a obrigue a se tornar biparental em um modelo tradicional que não reflete a multiplicidade de arranjos familiares atuais. Adicionalmente, o Art. 227, §6º, da Constituição, proíbe designações discriminatórias, o que significa que não se pode estigmatizar uma criança pela ausência do nome do pai em seu registro.
A CEDAW e as Recomendações emitidas pelo Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher reforçam a necessidade de eliminar padrões sociais ou culturais prejudiciais às mulheres. A busca compulsória da paternidade, sem o consentimento do(a) responsável, pode ignorar contextos de violência, coerção ou a escolha legítima de não incluir o genitor, o que poderia, inclusive, gerar riscos à criança.
O CNJ, por meio da Res. n.º 485/2023, já reconheceu o direito da gestante ou parturiente ao sigilo do nascimento, mesmo em relação ao pai indicado, no caso de entrega da criança para adoção. Se o Estado Juiz garante esse direito quando a mãe abdica do cuidado, com mais razão ela deve ter o direito de não indicar o nome do pai quando assume as responsabilidades de cuidado.
Essa interpretação está em consonância com o Art. 1.690 do Código Civil, que confere aos pais, e na ausência de um, ao outro, a representação exclusiva dos filhos menores. A escolha de não prosseguir com a averiguação é um ato de poder familiar. O Ministério Público, ao respeitar essa autonomia, age em conformidade com o princípio da intervenção mínima na esfera privada da família. A averiguação deve ser um instrumento de facilitação, não de coerção.
Por fim, a LGPD, em seu Art. 14, §1º, exige o consentimento específico e em destaque para o tratamento de dados pessoais de crianças. A averiguação de paternidade, ao envolver a coleta e o tratamento de dados sensíveis, deve se submeter a essa regra. O prosseguimento automático, sem o consentimento do(a) responsável, configura potencial violação institucional da privacidade e da intimidade familiar.
Conclusão
A atuação do Ministério Público, pautada no consentimento expresso, é um avanço paradigmático na proteção dos direitos das crianças e das mulheres mães. Ela ressignifica a função ministerial, migrando de uma postura de busca compulsória para a de garantidor da autonomia e da dignidade da mulher e da família monoparental. Em vez de impor uma verdade biológica, o Ministério Público assegura que o processo de reconhecimento de paternidade seja uma escolha informada e livre, conduzida no melhor interesse da criança, e não uma imposição estatal. Além disso, busca-se o consentimento expresso do adolescente no procedimento de averiguação de paternidade, numa aplicação analógica do art. 28, §2º do ECA, alinhada ao art. 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança. Essa nova abordagem, fundamentada nos pilares do direito constitucional, convencional, civil e da proteção de dados, não enfraquece a proteção à criança, mas a fortalece, ao reconhecer a complexidade das relações familiares e o papel central da autonomia do(a) responsável na tomada de decisões que afetam a vida e o bem-estar de seus filhos.
Proponente(s): Cristiane Branquinho Lucas, Viviane Alves Santos Silva.
