Proposta 39

Proposta 39

Proposta 39

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PROPOSTA

A decisão judicial que defere a juntada da folha de antecedentes criminais da vítima em processo criminal incide em erro de julgamento e erro de procedimento por configurar revitimização secundária e violência institucional, em afronta aos princípios constitucionais, legais e convencionais que regem o processo penal brasileiro e a proteção dos direitos humanos.

JUSTIFICATIVA

A decisão incorre em erro de julgamento ao:

Deslocar indevidamente o foco da apuração penal da conduta do acusado para a vida pregressa da vítima, invertendo os papéis processuais.

Violar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88), ao permitir que a vítima seja exposta e desqualificada por fatos alheios ao objeto da ação penal.

Contrariar jurisprudência consolidada, como o acórdão da Quinta Turma do STJ no AgRg no HC 953.647/SP, que reconhece que tal prática configura revitimização secundária e violência institucional.

A decisão também incorre em erro de procedimento por:

Admitir prova impertinente, irrelevante e protelatória, em desacordo com o art. 400, §1º, CPP, que autoriza o magistrado a indeferir diligências que não contribuam para o deslinde da causa.

Violar o art. 474-A, CPP, que veda expressamente a utilização de informações que ofendam a dignidade da vítima e juntada de seus antecedentes criminais não tem outro motivo que não atingir a honra, a memória e a dignidade da vítima.

Desrespeitar o art. 15-A, Lei 13.869/2019, que veda práticas de violência institucional no processo penal.

Desrespeitar a política institucional do Judiciário, que deve garantir respeito e apoio às vítimas, conforme previsto no art. 1º da Resolução CNJ nº 253/2018, que institui a política institucional do Poder Judiciário de atenção e apoio às vítimas de crimes e atos infracionais.

Controle de Convencionalidade:

O Brasil, ao ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos e reconhecer a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Decreto 4463/2002), comprometeu-se a garantir proteção judicial efetiva às vítimas (arts. 1º, 25, 67 e 68 da CADH).

A jurisprudência da Corte IDH, especialmente no caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, estabeleceu que a conduta da vítima não pode ser usada para justificar ou relativizar a responsabilidade do acusado. 

A Resolução 40/34 da ONU (Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder) estabelece que: “As vítimas devem ser tratadas com compaixão e respeito pela sua dignidade. Devem ter acesso à justiça e proteção contra revitimização e exposição indevida".

Quando a vítima for mulher, cabe ainda uma abordagem de acordo com a perspectiva de gênero e proteção integral, na medida em que: A tentativa de expor o histórico da vítima pode reforçar estereótipos e assimetrias históricas, conforme Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ. A Lei Mariana Ferrer reforça o dever do magistrado de impedir a exposição vexatória da vítima e de garantir sua integridade física e psicológica.

Assim, a juntada da registros criminais da vítima em processos criminais representa afronta à legalidade, à Constituição Federal e aos compromissos internacionais de proteção aos direitos humanos. Tal prática deve ser repelida pelo sistema de justiça criminal, em especial pelo MP, como forma de garantir a centralidade da vítima no processo penal e evitar sua revitimização. Em caso de ser deferida a juntada dos antecedentes da vítima, cabível pedido de reconsideração preparatório de reclamação correcionais, com fulcro no art. 219 do CODJERJ.

O membro do MP, ao se deparar com pedido de juntada da FAC da vítima, pode requerer o desentranhamento, com base na ilicitude da prova, na violação à dignidade da vítima e na jurisprudência do STJ e da Corte IDH, além de promoverem o controle de constitucionalidade e convencionalidade (Recomendação CNMP 96/2023) da decisão judicial que eventualmente a admitir.

E a Resolução CNMP nº 243/2021, que institui a Política Nacional de Atenção às Vítimas no âmbito do Ministério Público, reforça o dever institucional de assegurar “A proteção integral da vítima, com respeito à sua dignidade, à sua integridade física e psicológica, e à sua não revitimização.” A decisão que admite a juntada da FAC da vítima viola essa política, ao permitir sua exposição indevida por fatos alheios ao objeto da ação penal.


Proponente(s):  Simone Sibilio do Nascimento, Roberta Maristela Rocha dos Anjos

39 -Nota técnica Enunciado Institucional - Coordenadoria do Núcleo de Apoio as Vítimas

39 -Nota técnica Enunciado Institucional - CAO Violência Doméstica